Tarifa de Trump trava exportações e força Brasil a buscar novos mercados; governo tenta reverter impasse nesta quinta
16/10/2025
(Foto: Reprodução) Itamaraty quer levar tarifas para negociação com Rubio, mas vê EUA focado em Lula e Trump
A aproximação recente entre os presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), reacendeu a esperança de um novo acordo comercial entre os dois países, após mais de dois meses de sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros.
A expectativa é que a reunião entre o secretário de Estados dos EUA, Marco Rubio, e o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, prevista para acontecer nesta quinta-feira (16), abra caminho para uma negociação das taxas, com um desfecho mais favorável para o Brasil.
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Enquanto um novo acordo não é firmado, no entanto, as empresas brasileiras continuam a sentir o impacto das taxas — e seguem em busca de alternativas para lidar com o impasse comercial.
Os efeitos das tarifas por aqui são diversos. No Ceará, por exemplo, fábricas precisaram cortar gastos enquanto procuram novos clientes na Europa e na Ásia para escoar seus produtos.
Já em Minas Gerais, produtores perderam contratos com os EUA e enviaram amostras a empresas da Noruega e de Dubai, na tentativa de evitar prejuízos. Enquanto isso, as lagostas, tradicionalmente vendidas ao mercado norte-americano, permanecem estocadas, à espera de compradores na China.
Esse cenário mostra que redirecionar exportações dos EUA para outros mercados não é uma tarefa simples — e, segundo especialistas consultado pelo g1, revela falhas na política de comércio exterior do Brasil, ainda vista como defasada.
Entenda nesta reportagem a relação comercial entre o Brasil e os EUA, os motivos que têm dificultado a exportação para outros países por parte das empresas brasileiras e o que esperar da reunião prevista para esta quinta-feira (16).
A relação comercial entre o Brasil e os Estados Unidos
Os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China. E apesar das alegações de Trump de que o comércio com o Brasil é injusto para os EUA, a balança continua a pender a favor dos norte-americanos.
Dados de setembro, por exemplo, indicam que o Brasil registrou um déficit de aproximadamente US$ 1,8 bilhão no mês passado — o nono mês consecutivo de saldo negativo na balança comercial brasileira.
🔎Déficit comercial significa que o Brasil importou mais produtos americanos do que exportou para os Estados Unidos. Para a economia brasileira, esse fato representa um cenário desfavorável.
O número ainda representa uma queda de 20% das exportações brasileiras para os EUA: de US$ 3,23 bilhões em setembro de 2024 para US$ 2,58 bilhões, no mês passado, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
A redução nas exportações para os Estados Unidos — parcialmente compensada pelo aumento das vendas para a China — está relacionada às tarifas mais elevadas impostas pelo governo norte-americano.
Os produtos sujeitos à taxação representam cerca de 55% das exportações brasileiras para os EUA, o equivalente a US$ 22 bilhões. Entre eles, estão: café, carne, ferro e aço semimanufaturados e produtos manufaturados.
Outros setores impactados incluem siderurgia, madeira, calçados, máquinas e pecuária — especialmente a carne bovina, que não conta com isenção tarifária. (Veja aqui os produtos isentos)
O que dificulta a busca por novos mercados pelas empresas brasileiras?
De maneira geral, o Brasil segue as políticas comerciais do Mercosul, que estabelece uma Tarifa Externa Comum (TEC) para todos os produtos vindos de fora do bloco. Essa taxa costuma variar de 0% a 20%, podendo chegar a 35% em casos excepcionais.
Além disso, dados do Instituto Brasileiro de Comércio Internacional e Investimentos (IBCI) indicam que o Brasil mantém barreiras comerciais relativamente altas, com tarifas médias de 12%. Para efeito de comparação, antes do tarifaço de Trump, a tarifa média dos EUA era de 3%.
O Índice de Abertura Comercial, criado pelo Banco Mundial para medir o quanto um país está conectado ao comércio internacional, ficou em 33,85% para o Brasil em 2023. O resultado foi superior ao dos EUA (25%), mas ainda abaixo da média da OCDE, da média mundial e da América Latina e Caribe.
O índice compara o total de importações e exportações do país com o tamanho da sua economia (PIB). Veja abaixo:
Os dados reforçam que, embora o Brasil tenha aumentado sua abertura comercial nas últimas décadas, a economia brasileira continua relativamente fechada e protege parte de sua produção em relação ao comércio internacional.
Esse perfil mais protecionista do Brasil pode, por outro lado, diminuir a competitividade dos produtos brasileiros no exterior.
Segundo Sandra Rios, diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes) e coautora do livro “Integração Comercial Internacional do Brasil”, o alto grau de proteção à produção doméstica tem dificultado uma maior integração do Brasil ao mercado global.
“Isso acaba tornando nossos produtos industriais menos competitivos lá fora, porque as empresas estão acostumadas a competir apenas dentro do mercado interno”, afirma.
Rios acrescenta que o país mantém uma rede limitada de acordos comerciais, tendo negociado poucos tratados em comparação com outros países — que, por sua vez, firmaram compromissos que garantem tarifas mais baixas e vantagens competitivas nos principais mercados. "Isso nos coloca em desvantagem".
Os especialistas destacam, ainda, que a busca por novos destinos para exportação passa por um longo processo, que inclui um estudo prévio sobre a demanda, custos logísticos, normas tributárias e diferenças culturais, além de adaptações específicas para determinados setores, como o de alimentos.
Segundo Claiton Alves Cunha, professor da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid), até mesmo o tempo para acessar novos mercados varia:
“Produtos perecíveis podem levar menos tempo, enquanto bens de maior valor agregado exigem meses ou até um ano”, explica. Além disso, empresas maiores também têm mais vantagem em novos mercados, pois contam com estruturas internacionais, enquanto médias e pequenas enfrentam processos mais lentos.
O que podemos esperar das negociações entre Brasil e EUA?
A reunião entre Rubio e Vieira marca a mais recente tentativa do governo brasileiro de reverter as sobretaxas dos EUA. A expectativa é que as duas autoridades e outros integrantes do governo norte-americano discutam os próximos passos da agenda comercial.
Segundo Murillo Oliveira, especialista em comércio exterior e investimentos da Saygo Comex, as negociações entre Brasil e Estados Unidos devem se concentrar em dois pontos principais: o afastamento do Brasil em relação ao Brics e o comércio de terras raras — minerais essenciais para a indústria de semicondutores e de defesa.
“Trump voltou a citar diretamente o Brics e deixou claro que quer ver o Brasil se distanciando do grupo e da moeda comum que vem sendo discutida”, afirmou. Segundo ele, essa pode ser uma exigência central dos Estados Unidos na reunião. “O governo brasileiro provavelmente terá de demonstrar algum sinal de afastamento da agenda geopolítica do Brics”, completou.
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Já em relação às terras raras, Oliveira destaca a relevância do Brasil nas negociações, uma vez que o país possui a segunda maior reserva desses minerais no mundo, atrás apenas da China.
"Como a China tem restringido exportações desses materiais, é provável que os EUA pressionem por algum tipo de favorecimento no acesso aos recursos brasileiros”, diz o professor.
Os especialistas ainda destacam que, embora a Organização Mundial do Comércio (OMC) tenha um papel importante na intermediação das negociações entre Brasil e EUA, sua atuação tem alcance limitado.
"A base de argumentação do Brasil se apoia em acordos assinados por todos os membros da OMC. Sobretaxas são permitidas, mas devem seguir critérios e estudos, o que não ocorreu”, afirma Stefânia Ladeira, gerente da Saygo Comex. “Mas mesmo que a decisão favoreça o Brasil, não há garantia de reversão das tarifas.”
Já para José Roselino, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), mesmo que o Brasil tenha "todos os argumentos para vencer" a disputa comercial, o processo ainda pode levar anos para ser concluído.
"A política tarifária dos EUA 'é irracional' e acaba empurrando parceiros estratégicos em direção à China. Essas ações reduzem a própria relevância dos EUA no comércio internacional", diz.
Ainda assim, o encontro entre os dois países, marcado para esta quinta-feira (16), é visto com otimismo para o mercado — e a expectativa é por uma redução parcial das tarifas impostas pelos EUA.
“Acho difícil voltar ao patamar anterior, mas é possível chegar a um meio-termo — algo em torno de 25% de tarifa. É uma estratégia típica de Trump: eleva as tarifas para forçar a contraparte à mesa de negociação e depois busca um acordo no meio do caminho”, avalia Oliveira.
Próximos passos
Os especialistas consultados pelo g1 também destacam a importância de o Brasil adotar uma política comercial mais estratégica, que amplie sua presença no mercado internacional.
"O Brasil segue como um ponto fora da curva: nossas tarifas médias continuam altas e ainda usamos barreiras não tarifárias de forma mais intensa que outros países. Negociações levam anos para serem implementadas. O Brasil precisa de reformas internas para aumentar competitividade e abrir a economia", diz Rios, do Cindes.
A diretora ainda destaca a importância da decisão do governo brasileiro de recorrer à OMC contra os EUA poucos dias depois que as taxas entraram em vigor. Ela reforça a necessidade de avançar no acordo Mercosul-União Europeia e em novas frentes de negociação. “Sem mudanças na visão das políticas comerciais e industriais, é improvável que o Brasil avance de forma expressiva”, avalia.
Além disso, o Acordo Mercosul-EFTA, assinado ainda no mês de setembro, também abre oportunidades em países europeus que não fazem parte do bloco da União Europeia.
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