Quem foi frei Leão, o principal companheiro de São Francisco que pode ter inspirado o nome de Leão XIV

  • 09/05/2025
(Foto: Reprodução)
Em uma Igreja que preza tanto por simbolismos e constantemente bebe na tradição, não parece coincidência que o norte-americano Robert Prevost tenha escolhido para si o nome papal de Leão. A mensagem pode ter sua origem nesta história de amizade intensa entre dois religiosos que viveram 800 anos atrás. Em pintura de 1297 feita por Giotto, está a representação do momento em que São Francisco e seus seguidores, entre os quais Frei Leão, obtêm do papa da época a confirmação das regras para sua nova ordem. Domínio Público "Tu te lembras, pai Francisco? Este indigno que pega hoje a pena a fim de narrar a tua crônica era humilde e feio mendigo no dia de nosso primeiro encontro. Humilde e feio, cabeludo da nuca às sobrancelhas, tinha a fisionomia coberta de pelos e o olhar amedrontado. Em vez de falar, balia feito carneiro, e tu, para ridicularizar minha feiura e humildade, me apelidaste de Irmão Leão." Este é o primeiro parágrafo do livro O Pobre de Deus, a biografia ficcional de São Francisco de Assis escrita pelo grego Nikos Kazantzakis (1883-1957). O personagem que narra o texto é frei Leão, uma figura que realmente existiu entre os primeiros seguidores do religioso italiano e que, segundo pesquisadores, teria sido seu principal companheiro e confidente. AO VIVO: Acompanhe em tempo real o papado de Leão XIV ✅ Clique aqui para seguir o canal de notícias internacionais do g1 no WhatsApp Doutor em teoria e história literária pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) justamente estudando textos de São Francisco, o pesquisador Thiago Maerki ressalta à BBC News Brasil que há apenas dois escritos conhecidos atribuídos ao santo de próprio punho que teriam sobrevivido ao tempo: uma oração e uma carta, ambos destinados a frei Leão. "Então a gente percebe o carinho e admiração que ele tinha por Leão", diz o pesquisador, que é membro associado da Hagiography Society, nos Estados Unidos. Os outros poucos textos atribuídos a São Francisco, religioso que viveu na região de Assis entre 1181 e 1226, acredita-se que tenham sido ditado por ele a seguidores mais letrados — e frei Leão, acredita-se, era o principal calígrafo do grupo. No texto conhecido como Bênção de São Francisco, ele diz: "O Senhor te abençoe e te guarde; mostre sua face para ti e tenha misericórdia de ti. Volte seu rosto para ti e te dê a paz. O Senhor te abençoe, frei Leão." Já a carta expressa um amor fraterno muito grande. "Frei Leão, teu frei Francisco [te deseja] saúde e paz. Assim te digo, meu filho, como uma mãe: porque todas as palavras que dissemos no caminho, quero dispor em breve essas palavras e aconselho, e se depois te parecer oportuno vir a mim por causa de conselho, porque assim te aconselho: de qualquer modo que te parecer que agrada ao Senhor Deus, e seguir seus vestígios e pobreza, que o faças com a bênção de Deus e a minha obediência. E, se te for necessário para tua alma ou por alguma outra consolação tua, e quiseres vir a mim, Leão, vem!", escreveu ele. "A gente percebe o carinho e a admiração que Francisco tinha por Leão", pontua Maerki. "Na carta, Francisco reforça o apelo à pobreza e incentiva Leão a louvar a Deus." Para o pesquisador, ambos os documentos denotam a proximidade intensa entre os dois religiosos, embora pouco se saiba sobre a biografia de Leão. De acordo com antigos escritos franciscanos e a própria tradição da ordem, Leão foi um dos primeiros a seguir as palavras daquele pregador conectado à natureza e aos pobres, Francisco de Assis. Irmãos do novo Papa relatam emoção ao saber da eleição de Leão XIV: 'Totalmente surreal' O secretário pessoal e confidente Como Leão tinha mais estudos, ele acabou assumindo a função de secretário pessoal de Francisco. "Eles tiveram um contato muito estreito. A gente diz secretário, mas não no sentido burocrático. E sim no sentido de aquele que era alguém com um pouco mais de conhecimento que escrevia e ao mesmo tempo apoiava São Francisco", diz à BBC News Brasil o frade franciscano Marcelo Toyansk Guimarães, coordenador Serviço Justiça, Paz e Integridade da Criação dos Frades Capuchinhos do Brasil, coordenador nacional da Pastoral da Moradia e Favela e assessor da Comissão Justiça e Paz da região de São Paulo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Nos últimos anos de vida de Francisco, a ordem religiosa que ele havia criado já estava crescendo e lidava com divisões internas. Havia dois grandes grupos. "Para sintetizar, podemos pensar em duas grandes tendências", contextualiza Maerki. "Alguns frades já se afastavam daqueles ideais primitivos de Francisco e propunham, por exemplo, a construção de grandes templos, grandes igrejas, fugindo um pouco daquele ideal de pobreza por ele sonhada, pensada por São Francisco quando criou a Ordem dos Frades Menores." "E frei Leão mantinha-se no primeiro grupo, sempre ao lado de São Francisco. O santo começou a ser ignorando pelo grupo que aos poucos foi assumindo o poder da ordem e Leão sempre permaneceu ao lado de Francisco, que se isolou um pouco nos últimos dias de vida", prossegue o especialista. Igrejinha da Porciúncula, hoje contida dentro de uma basílica maior, em Assis, na Itália. Essa igrejinha do século 4 era onde Francisco de Assis, Leão de Assis e seus companheiros rezavam. Edison Veiga/BBC Segundo Maerki, o santo foi tomado por muita tristeza ao perceber os rumos que a ordem religiosa estava tomando, "um caminho que ele não havia pensado". Leão seguiu fiel ao seu lado, "compartilhando de suas ideias de vida simples e de ter somente o necessário". "Eles foram companheiros e viveram próximos momentos muito fortes", acrescenta o religioso Guimarães. Maerki frisa que esse papel de secretário de Leão fez dele alguém que registrou em documentos boa parte do pensamento franciscano. "Além disso, consta que Frei Leão também foi padre, foi sacerdote ordenado, diferentemente de Francisco, que não quis assumir a missão sacerdotal", comenta. "Segundo os textos primitivos da tradição franciscana, Leão era um sacerdote muito culto, sabia latim, e se tornou um hábil calígrafo. Por isso Francisco o havia escolhido para ser essa espécie de secretário pessoal", explica o pesquisador. No livro Fioretti di San Francesco, um compilado de 53 histórias envolvendo o santo feito por um autor desconhecido no final do século XIV —provavelmente um toscano—, frei Leão é personagem de muitas das passagens. Para estudiosos do legado franciscano, isso é relevante, porque a obra, embora tenha sido publicada mais de 100 anos depois da morte de São Francisco, seria uma coletânea de escritos e relatos de tradição oral que circulavam entre os primeiros seguidores. "Há ensinamentos [da ética e da religiosidade de São Francisco], como a ideia de que a perfeita alegria está na humildade, passados por meio de diálogos entre Francisco e Leão", conta Maerki. "Acho que isso demonstra justamente essa relação entre os dois." "Leão foi o amigo confidente de São Francisco", completa Guimarães. "Nas experiências tensas, o santo teve em frei Leão aquele companheiro com quem podia compartilhar a vida fraterna de forma singular." São Francisco e seus seguidores, entre os quais provavelmente frei Leão, em imagem de Giotto. Domínio Público O novo papa Em uma Igreja que preza tanto por simbolismos e constantemente bebe na tradição, não parece coincidência que o norte-americano Robert Prevost tenha escolhido para si o nome papal de Leão. A mensagem pode ter sua origem nesta história de amizade intensa entre dois religiosos que viveram 800 anos atrás. "A escolha do nome é muito significativa", diz Maerki. "Penso que ele demonstra para toda a Igreja que pretende seguir os passos de Francisco, do papa Francisco, assim como Frei Leão foi um fiel amigo de São Francisco de Assis e esteve sempre ao lado dele, mesmo nos momentos de maiores dificuldades." Maerki lembra as polarizações e divisões que existem na Igreja Católica hoje para afirmar que "nesse sentido, o papa Leão quer nos dizer, quer nos apontar que vai trilhar os caminhos do papa Francisco, um caminho que se volta para uma Igreja mais humana, mais fraterna, que pensa nos injustiçados, nos pobres, uma igreja que pensa naqueles considerados a escória da sociedade". "Esse foi um caminho já apontado por Francisco e que parece que Leão agora vai defender da mesma forma que Frei Leão defendeu os ideais de São Francisco no momento em que a ordem estava dividida. Papa Leão quer defender os passos de papa Francisco em uma Igreja que também está dividida", analisa ele. Especialista lembra as polarizações e divisões que existem na Igreja Católica hoje para afirmar que 'nesse sentido o papa Leão quer nos dizer, quer nos apontar que vai trilhar os caminhos do papa Francisco'. Vatican Media via BBC "Apesar de [a explicação para a escolha do nome] ser apenas uma hipótese ainda, é uma hipótese feliz. A continuidade [entre os dois papas] é perceptível desde a fala inicial, em que ele demonstrou muita sintonia com Francisco", argumenta Guimarães. Em sua visão, talvez ocorra com Leão XIV e Francisco o mesmo movimento que ocorreu com os papas Paulo 6º e seu antecessor João 23, ou seja, um mais intelectual consolidando no magistério da Igreja os avanços promovidos pelo seu antecessor, de quem era alinhado. "O primeiro foi alguém de grande inspiração que abriu a Igreja. E Paulo 6º seguiu implementando, organizando e também documentando, dando sequência e encaminhando toda a inspiração que veio de João 23", explica Guimarães. Nesse sentido, Prevost tem a seu favor a sólida formação acadêmica. Poliglota, ele é graduado em Matemática e tem doutorado em Direito Canônico.

FONTE: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2025/05/09/quem-foi-frei-leao-o-principal-companheiro-de-sao-francisco-que-pode-ter-inspirado-o-nome-de-leao-14.ghtml


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